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Federico Andahazi
O anatomista
Um pedacinho....
O SÉCULO DAS MULHERES
O século XVI foi o século das mulheres. A semente que Christine de Pisan semeara cem anos antes florescia por toda a Europa com o doce perfume de O ditado dos verdadeiros amantes. Não foi de modo algum casual que o descobrimento de Mateo Colombo tenha eclodido no tempo e no espaço em que se deu. Até o século XVI, a História era narrada pela grave voz masculina. ”Onde quer que se olhe, lá está ela com a sua infinita presença: do século XVI ao XVIII, na cena doméstica, econômica, intelectual, pública, conflitual e até mesmo lúdica da sociedade, encontramos a mulher. Em geral, solicitada por suas tarefas cotidianas. Mas também presente nos acontecimentos que constituem, transformam ou dilaceram a sociedade. De cima a baixo da escala social, ela ocupa o conjunto dos espaços, e sobre a sua presença falam constantemente aqueles que a contemplam, amiúde para assustar-se”, declaram Natalie Zemón e Arlette Farge em História das mulheres. (História das mulheres, Editorial Taurus.)
O descobrimento de Mateo Colombo surge, precisamente, quando os âmbitos das mulheres - sempre da porta para dentro - começam, pouco a pouco e sutilmente, a sair dos muros dos beatérios e dos monastérios, dos prostíbulos ou da tépida, mas não menos monástica, doçura do lar. A mulher, timidamente, atreve-se a discutir com o homem. Com algum exagero, chegou-se a dizer que no século XVI foi travada a ”Batalha dos sexos”. Verdade ou não, a questão das incumbências das mulheres instala-se como um tema de discussão entre os homens.
Em tais circunstâncias, o que era a ”América” de Mateo Colombo? Certamente, o limite entre descoberta e invenção é muito mais difuso do que parece à primeira vista. Mateo Colombo - é hora de dizer descobriu aquilo com que todo homem sonhou alguma vez: a chave mágica que abre o coração das mulheres, o segredo que governa a misteriosa vontade do amor feminino. Aquilo que, desde o começo da História, foi buscado por bruxos e feiticeiras, xamãs e alquimistas - mediante a infusão de toda sorte de ervas ou o favor de deuses e demônios -, aquilo, enfim, que todo homem apaixonado sempre ansiou, ferido pelo desamor do objeto de seus desvelos e de sua desdita. E também, aliás, aquilo com que os monarcas e governantes sonharam, pela mera ambição da onipotência: o instrumento que subjugasse a volátil vontade feminina. Mateo Colombo buscou, peregrinou e, finalmente, encontrou a sua ”doce terra” desejada: ”o órgão que governa o amor nas mulheres”. O Amor Veneris - tal é o nome com que o anatomista batizou-o, ”se me é permissível dar nomes às coisas por mim descobertas” - constituía um verdadeiro instrumento de potestade sobre o escorregadio - e sempre obscuro - arbítrio feminino. Por certo, tal achado apresentava mais de uma aresta: ”com que calamidades a cristandade não se veria confrontada se as hostes do demônio se apoderassem do feminino objeto do pecado?” perguntavam-se, escandalizados, os Doutores da Igreja. ”O que seria do rentável negócio da prostituição se qualquer pobre entrevado pudesse ganhar o amor da mais cara das cortesãs?”, perguntavam-se os ricos proprietários dos esplêndidos lupanares de Veneza. Ou, ainda pior, o que aconteceria se as filhas de Eva descobrissem que trazem no meio das pernas as chaves do céu e do inferno?
O descobrimento da ”América” de Mateo Colombo foi também - e na sua medida - uma épica, cortada pela ladainha de um réquiem. Mateo Colombo foi tão feroz e impiedoso quanto Cristóvão; como aquele - e com a mesma literal propriedade -, foi um colonizador brutal que reclamava para si mesmo o direito sobre as terras descobertas: o corpo da mulher.
Mas, por outro lado, para além do que o Amor Veneris significava, uma outra polêmica seria suscitada pelo que era esse órgão. Existirá o órgão que Mateo Colombo descreveu? Esta é uma pergunta inútil que deveria, em todo caso, ser substituída por outra: Existiu o Amor Veneris? As coisas são, ao fim e ao cabo, as vozes que as nomeiam. Amor Veneris, vel Dulcedo Apeleteur - nome com que o seu descobridor batizou o órgão - tinha um conteúdo fortemente herético. Se o Amor Veneris coincide com o menos apóstata e mais neutro klitóris (comichão) - que alude a efeitos antes que a causas -, é um assunto que haverá de preocupar os historiadores do corpo. O Amor Veneris existiu por razões diferentes das razões da anatomia; existiu não só porque fundou uma nova mulher, mas porque, além disso, promoveu uma tragédia. O que vem a seguir é a história de um descobrimento.
Peranbulando pela net:
Achei esse trecho mega super interessante... do blogger nome próprio ...link ao lado...
MULHER
Voltando à história : primeiro - na antiguidade as mulheres eram máquinas de parir primogênitos machos, e se assim não fizessem, perdiam o posto de ‘predileta’. No seu oposto tinha a cortesã. O lugar da mulher era o da anulação da intensidade afetiva feminina, pois voltando da guerra o homem queria uma pele perfumada e uma amante silenciosa. Depois, na idade média, as mulheres intensas viravam bruxas: as que detinham poderes misteriosos das profundezas da alma e dos mistérios humanos. Algumas poucas se transformaram em guerreiras e foram queimadas em praça pública. Guerra era para os homens. As mulheres pagavam com a vida quando traiam suas condições de "esposas" - por terem desejo, por quererem exercer sua feminilidade: Guenièvre.
É Freud no final do século 19 que postula que sexualidade é prazer. Mas diz que só há um sexo: o masculino. Portanto, mulher com muito desejo é histérica, mulher com muita vontade própria é uma "mala". Mulher que é mulher cuida da casa, dos filhos e de noite é uma gueixa. Perfumada e silenciosa. Só que não goza. Gozo, prazer é visto como excesso. Em ambos os sexos. Hedonismo.
Somente a 50 anos atrás, por causa de um evento desejado pelo homem: o controle da natalidade - com a invenção da pílula - a mulher consegue finalmente sua tardia liberdade sexual. Ela enfim tinha um órgão sexual livre do estigma da reprodução e que pode ser usado exclusivamente para seu prazer.
Pobres senhores, pois com a liberação sexual da mulher, ela deixa de ser ou reprodutora ou cortesã e passa a ser mulher, essa é a grande transformação do final do século XX - o papel psico-social da mulher e uma mudança fundamental do papel dessa mulher na relação homem/mulher em quaisquer dos campos da manifestação humana. Em vez do grande embate entre capitalismo/comunismo esperado para a segunda metade do século XX, o que aconteceu como mudança radical foi o da "ontologia" feminina.